Pilatos: o pecado da omissão
Texto base: João 18:33 a 19:16
³³ Tornou, pois, a entrar Pilatos na audiência, e chamou a
Jesus, e disse-lhe: Tu és o Rei dos Judeus ³⁴ Respondeu-lhe
Jesus: Tu dizes isso de ti mesmo, ou disseram-to outros de mim?
Após Jesus ser levado pelos judeus a Pilatos para que este os ouvisse e executasse o que queriam, Pilatos pergunta ao Senhor se ele era mesmo rei dos judeus. Como resposta, Jesus lhe pergunta se estava a dizer isso dele mesmo ou outros lhe haviam contado. Sendo conhecedor de todas as coisas, não creio que o Senhor Jesus, com essa pergunta, estivesse manifestando uma dúvida que ele mesmo tinha, mas uma dúvida que havia no coração de Pilatos.
Entre os povos que habitavam aquela região do Oriente Médio, e mesmo partes do Império Romano, se disseminara a profecia dada por Deus a Daniel – enquanto este estava cativo na Babilônia – segundo a qual o Messias, isto é, o Grande Rei dos Judeus, viria por volta daquela época. A este respeito, é bem provável que os magos provenientes do Oriente estivessem inteirados acerca desse vaticínio, pelo que observaram os sinais indicativos.
Por outro lado, no relato paralelo exposto em Mateus 27, especificamente em seu verso 19, sua mulher lhe aconselha a não se envolver com o caso porque havia sofrido muito por causa dele em um sonho que tivera, possivelmente na noite de quinta para sexta. Por essa razão, sou levado a pensar que o governador da Judeia já tinha em seu coração, ao perguntar a Jesus, no mínimo uma possível desconfiança de que Jesus não se tratava de um qualquer. Na verdade, a este respeito, em Mateus 27:18 vê-se que estava claro para Pilatos que nosso Senhor lhe havia sido entregue por inveja.
³⁵ Pilatos respondeu: Porventura sou eu judeu? A tua nação e os principais sacerdotes entregaram-te a mim. Que fizeste?
Tencionando se justificar de uma possível condenação de um homem justo, predicado usado por sua própria esposa ao se referir a Jesus, Pilatos afirma que foi o próprio povo de Jesus que o entregou a ele. Como se dissesse: Não tenho qualquer culpa nem tampouco poderei por nada ser condenado, pois não te persegui para capturar, não fui atrás de você, não mandei soldados para te prender; pelo contrário, te trouxeram até aqui, onde resido.
A verdade, entretanto, é que essa conduta de não tomar o problema para si e então atribuí-lo a alguém não pode ser escusada, pois Pilatos era a maior autoridade naquela região naquele momento, e mesmo assim abriu mão de tomar a decisão certa.
³⁶ Respondeu Jesus: O meu reino não é deste mundo; se o meu reino fosse deste mundo, pelejariam os meus servos, para que eu não fosse entregue aos judeus; mas agora o meu reino não é daqui.
Esta fala do nosso Senhor é deveras dramática! Se o reino de Jesus fosse desse mundo, os seus servos não deixariam que ele fosse entregue aos judeus; não deixariam que os judeus lhe entregassem aos gentios; por fim, jamais permitiriam que ele fosse crucificado.
Se perguntarmos às pessoas do nosso círculo social quem tem Jesus como Senhor de suas vidas, provavelmente todos levantarão as mãos. Em eventos relacionados a dias religiosos, como Semana Santa, Páscoa e Natal, observa-se que as pessoas tendem a falar mais de Jesus umas com as outras. Porém, será que Jesus está verdadeiramente reinando em seu coração?
Em João 14:21, o Senhor declara: “Aquele que me ama guarda os meus mandamentos.” Vemos isso no dia a dia? As pessoas que dizem ser filhas de Deus e parecem reverenciar a Jesus, têm obedecido aos mandamentos? Têm feito a vontade de Deus? Se Jesus reinasse em nosso coração verdadeiramente não haveria espaço para a cobiça desenfreada por bens materiais ou por fama, itens esses que via de regra ditam o modo de viver da maioria das pessoas.
Assim como Jesus que não foi reconhecido como rei quando veio, nosso lugar não é aqui; somos apenas peregrinos vagando por terras estrangeiras enquanto damos testemunho da Verdade. Nossa cidadania está no Céu, onde se assenta aquele diante de quem um dia todo joelho há de se dobrar.
Mas a fala de Jesus é ainda mais impactante porque é como se dissesse: “Meu reino não é deste mundo porque as pessoas não me aceitaram como rei”; “Meu reino não é daqui porque as pessoas me trocaram por dinheiro, por bens, por coisas, por prazeres momentâneos, por reconhecimentos imerecidos e fugazes”; “Meu reino não é deste mundo porque as pessoas optaram por servir a outros senhores”.
³⁷ Disse-lhe, pois, Pilatos: Logo tu és rei? Jesus respondeu: Tu dizes que eu sou rei. Eu para isso nasci, e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz.
Nosso Senhor Jesus desvela dois pontos - no mínimo - interessantes: Primeiro, que Pilatos deveras sabia em seu coração que Ele era rei, o filho de Deus; segundo, Ele veio para dar testemunho da verdade, e todo aquele que é da verdade ouve a sua voz.
No tocante ao primeiro ponto, mais uma vez percebemos a manifestação da omissão, pois mesmo Pilatos em seu íntimo sabendo que se tratava de um homem justo, homem enviado para dar testemunho da vontade de Deus, resolveu fazer de conta que não sabia de quem se tratava. Antes que julguemos Pilatos, quantas vezes não nos portamos como ele? Quando, por exemplo, conhecendo a vontade de Deus, deliberadamente andamos na contramão; quando nos é claro que Deus não se compraz com a difamação, maledicência, calúnia, e mesmo assim falamos mal do próximo – por vezes tendo a convicção de que estamos sendo injustos, pois omitimos alguns aspectos possivelmente favoráveis.
O segundo ponto induz-nos a dividir as pessoas em duas classes: Aqueles que são da verdade, constituindo o conjunto dos salvos, e aqueles que não são da verdade, formando o grupo destinado à perdição eterna. Aqueles que são da verdade - portanto que ouvem a voz de Jesus - não são necessariamente as pessoas que andam em retidão ao passo que a outra classe não congrega apenas criminosos, adúlteros, drogados e imorais. Ao contrário, dentro do grupo dos salvos encontram-se pessoas dos mais variados matizes e origens, pois se o maior criminoso se converter, ele pertencerá a este grupo. Igualmente, fará parte daqueles a quem está destinada a perdição eterna até mesmo pessoas provenientes de berço cristão.
³⁸ Disse-lhe Pilatos: Que é a verdade? E, dizendo isto, tornou a ir ter com os judeus, e disse-lhes: Não acho nele crime algum.
Ao perguntar “Que é a verdade?”, Pilatos se coloca na posição de todo aquele que não serve a Jesus, pois Ele, e apenas Ele, é a verdade. Contudo, as pessoas que não têm compromisso real com Deus relativizam a verdade, passando via de regra a adotar uma verdade que lhes convém.
Certa vez alguém disse: “Para mim, errado é roubar e matar; eu não roubo nem nunca matei, então estou agindo do modo correto”. Porém, atentando para o modo de viver dessa pessoa, percebemos que ele estava se envolvendo com mulher casada e mãe de filhos.
Cada pessoa que não tem compromisso com Deus tem a sua verdade; por outro lado, os servos de Deus têm a mesma verdade: Jesus Cristo. Nós não orbitamos em torno de referências mutáveis, que mudam continuamente, mas pautamos nossa vida nas Sagradas Escrituras, uma vez que apenas elas contêm palavras eternas e inalteráveis visto que Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e sempre.
³⁹ Mas vós tendes por costume que eu vos solte alguém pela páscoa. Quereis, pois, que vos solte o Rei dos Judeus? ⁴⁰ Então todos tornaram a clamar, dizendo: Este não, mas Barrabás. E Barrabás era um salteador.
A fim de agradar aos judeus, povo que governava por designação do imperador romano, Pilatos tinha por hábito soltar um preso durante a Páscoa, maior festividade judaica. Estando Jesus dentre os presos, e sabendo se tratar de um justo, em um ato simbólico de “lavar as mãos” passa para a multidão uma responsabilidade que era sua. Por fim, pedem que Barrabás, um assaltante, seja libertado em lugar de Jesus.
É por demais estarrecedor a escolha do povo, que presenciou por três anos o ministério de Jesus: Apregoando as Boas-Novas, expulsando demônios, realizando milagres, libertando almas cativas pelo Maligno. Onde estavam todas as pessoas que receberam essas bênçãos? Enquanto estava ao lado de Barrabás, onde estavam as pessoas que alguns dias antes o aclamaram na entrada triunfal em Jerusalém? Uma parte delas estava pedindo sua crucificação, mas indubitavelmente a maioria preferiu se omitir e manter-se distante a fim de não correr o risco de serem punidas pela liderança religiosa que, por inveja, entregara nosso Senhor para ser morto.
19. ¹ Pilatos, pois, tomou então a Jesus, e o açoitou.² E os soldados, tecendo uma coroa de espinhos, lha puseram sobre a cabeça, e lhe vestiram roupa de púrpura.³ E diziam: Salve, Rei dos Judeus. E davam-lhe bofetadas.
Tanto os soldados, mas mais ainda Pilatos, sabiam que esse tal Jesus a quem agrediam violentamente era homem justo e íntegro, havendo sido a eles entregue pelos religiosos judeus por pura inveja, conforme relata Mateus 27:18. Mesmo assim, no entanto, com muito gosto e prazer, o violentaram, surraram, e dele escarneceram.
Este é um sentimento comum de todas as pessoas: Zombar e agredir pessoas a quem consideram mais íntegras que elas. Uma pessoa suja do pecado sente-se ainda mais imunda quando alguém que abomina o pecado dela se aproxima. Geralmente estas pessoas são alvos de zombaria, taxadas de bobas, santarrãs e otárias por não participarem dos mesmos atos pecaminosos, pois quem vive na prática do pecado deliberadamente sabe que está no caminho errado porém, pelo prazer que lhes é proporcionado, não querem dele se afastar. Preferem convencer alguém a pecar porque o simples fato de ter alguém ao seu lado que não comunga de seus atos suscita um sentimento interior de condenação.
⁴ Então Pilatos saiu outra vez fora, e disse-lhes: Eis aqui vo-lo trago fora, para que saibais que não acho nele crime algum.
Pilatos sabia que o povo convictamente preferira soltar Barrabás em detrimento de Jesus; não se tratava de uma situação em que uma parte havia votado em um e outra parte da multidão, noutro. Esse ato de Pilatos revela que internamente ele estava se condenando por fazer o que era mau. Com vistas a tirar de si esse sentimento de culpa, dirige-se novamente ao povo para que este tomasse a decisão. Mas ele tinha o poder do Alto para decidir!
Isso pode acontecer conosco em nossa lida cotidiana. Se não nos deixar guiar pelo Espírito Santo, faremos algo errado, ouviremos interiormente uma voz de condenação, por fim de algum modo tentaremos tirar o peso de nossa responsabilidade a fim de nos justificar. Como exemplos, um marido, brigado com a esposa, que se permite cobiçar outra mulher pelo fato de achar sua esposa injusta para consigo; um cliente que se permite não pagar determinada dívida pelo fato de seu credor não exibir uma vida honesta; um funcionário que propositadamente prevarica em seu emprego porque o patrão não lhe remunera justamente.
⁵ Saiu, pois, Jesus fora, levando a coroa de espinhos e roupa de púrpura. E disse-lhes Pilatos: Eis aqui o homem.⁶ Quando viram-no, pois, os principais sacerdotes e os servos, clamaram, dizendo: Crucifica-o, crucifica-o. Disse-lhes Pilatos: Tomai-o vós, e crucificai-o; porque eu nenhum crime acho nele.⁷ Responderam-lhe os judeus: Nós temos uma lei e, segundo a nossa lei, deve morrer, porque se fez Filho de Deus.⁸ E Pilatos, quando ouviu esta palavra, mais atemorizado ficou.
Com base em sua interação com Jesus, Pilatos pôde perceber que se tratava de um justo com quem estava lidando, tendo a ele sido entregue claramente por inveja. Entretanto, o governador da Judeia abriu mão de lançar mão do poder que detinha com o intuito de satisfazer aos interesses dos líderes judeus. Com vistas a isso, mandou açoitar, violentar e permitiu que escarnecessem do nosso Senhor. Todos os seus atos, contudo, estavam eivados de profundo temor, pois interiormente era fustigado por um sentimento de culpa por estar perpetrando um ato injusto.
Quando os judeus lhe declararam que Jesus estava se fazendo filho de Deus, um sentimento ainda maior de temor se lhe apoderou, pois sabia, a partir desse momento, que Jesus não era tão somente um justo, mas o próprio filho do Altíssimo. Este sentimento se estriba nas conversações que teve com Jesus, pois embora fossem poucas, eram suficientes para saber que se podia dar crédito ao que falava.
Nós, enquanto cristãos, devemos agir à semelhança do nosso Mestre: As palavras que saírem da nossa boca seja graves, íntegras, sãs e retas; que o nosso “sim” seja “sim”, e o nosso “não” seja “não”, pois qualquer coisa que passar disso provirá do Maligno. Agindo dessa maneira, ainda que sejamos açoitados, todos reconhecerão que somos justos, que estaremos recebendo uma pena descabida e, como consequência, o temor da punição divina lhes arrebatará o coração.
¹⁰ Disse-lhe, pois, Pilatos: Não me falas a mim? Não sabes tu que tenho poder para te crucificar e tenho poder para te soltar?¹¹ Respondeu Jesus: Nenhum poder terias contra mim, se de cima não te fosse dado; mas aquele que me entregou a ti maior pecado tem.
Pilatos pensava que ele tinha poder: Poder para soltar e poder para crucificar. Pensava que estava no posto por mérito próprio, achado digno de administrar aquela região pelo imperador. Achava-se poderoso porque tinha em suas mãos o aparato do exército romano. Mas, não. Jesus lhe respondeu que todo o poder de Pilatos provinha de Deus, pois se era governador da Judeia, era pela vontade de Deus; se tinha a prerrogativa de comandar as legiões romanas, era pela vontade de Deus; se estava com Jesus ao seu lado para decidir a vida ou a morte, era pela vontade de Deus.
Os poderosos deste mundo jactam-se por pensarem que todo o poder que detêm emana deles. Mas a verdade é que apenas ocupam a posição em que estão porque Deus assim lhes permite. Pode ser que seu chefe, que tanto te humilha, ache-se com muito poder; saiba, porém, que Deus está no controle, em tudo Ele tem um propósito; aquela pessoa que faz de tudo para te privar de seus direitos apenas o faz porque esse poder foi dado a ela por Deus, e em tudo Ele tem um propósito. Acalme-se, coloque nas mãos do Altíssimo, pois os planos que Ele tem para nós são planos de bem e não de mal, para dar futuro e esperança.
¹² Desde então Pilatos procurava soltá-lo; mas os judeus
clamavam, dizendo: Se soltas este, não és amigo de César; qualquer
que se faz rei é contra César.¹³ Ouvindo, pois, Pilatos este
dito, levou Jesus para fora, e assentou-se no tribunal, no lugar
chamado Litóstrotos, e em hebraico Gabatá.
¹⁴ E era a
preparação da páscoa, e quase à hora sexta; e disse aos judeus:
Eis aqui o vosso Rei. ¹⁵ Mas eles bradaram: Tira, tira,
crucifica-o. Disse-lhes Pilatos: Hei de crucificar o vosso Rei?
Responderam os principais sacerdotes: Não temos rei, senão César.
¹⁶ Então, consequentemente entregou-lho, para que fosse
crucificado. E tomaram a Jesus, e o levaram.
Esses versículos mostram de maneira insofismável que os judeus queriam a todo custo tirar a vida de Jesus a ponto de, para alcançarem esse objetivo, até mesmo abrirem mão de suas convicções religiosas, pois havia desavenças constantes entre eles e a administração romana justamente porque não aceitavam serem subjugados por povos gentios. Por isso, ao dizerem que eles não tinham outro rei além de César, estavam envidando todas as forças para que o desejo de assassinar o Messias fosse levado a cabo.
Por fim, temendo perder o cargo, sendo tachado de inimigo de César, atendeu aos desejos dos judeus entregando Jesus para a pena capital. O preço da omissão, todavia, foi-lhe cobrado: Relatos históricos contam que pouco tempo depois desse episódio Pilatos ficou tão perturbado a ponto de tirar a própria vida.
Quando deixamos de agir conforme o que é certo, seja por ação, como o fez Judas mediante a traição, ou por omissão, tal qual Pilatos, abrimos uma brecha em nossa vida para a intromissão maligna, vez que com esse tipo de conduta necessariamente nos distanciamos de Deus. Se não for Deus em nossa vida, seremos consumidos pelo Maligno que incansavelmente nos rodeia.
Comentários
Postar um comentário