Distração

 

Nem todo aquele que me diz “Senhor, Senhor”, entrará no Reino do Céu. Mas apenas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está no Céu (Mateus 7:21).

A mensagem desse verso é evidente e notória: embora a fé em nosso Senhor Jesus é o que nos torna filhos de Deus, herdeiros do Reino que há de vir, ela, por si só, sem obras, é morta. A fé genuína é um sentimento interior que se manifesta exteriormente por meio de práticas que agradam ao Altíssimo. Diz, a Bíblia, que a verdadeira religião é visitar as viúvas e os órfãos em suas necessidades e guardar-se da corrupção deste mundo (Tiago 1:27).

            Pensem nas coisas do alto, não nas que são da terra (Colossenses 3:2). O exame das implicações deste versículo ditará a discussão principal da presente reflexão.

            Existem três modos pelos quais um verbo pode se exprimir: indicativo, subjuntivo e imperativo. O primeiro serve para indicar um fato, algo que acontece ou já aconteceu – neste modo, o versículo acima se expressaria: Vocês pensam nas coisas do alto, não nas que são da terra. Por seu turno, é no modo subjuntivo que desejos e possibilidades são expressos; via de regra se refere a coisas incertas – nele, teríamos: Talvez vocês pensem nas coisas do alto, não nas que são da terra. Por fim, quando queremos dar uma ordem, não usamos nem o modo indicativo, nem o subjuntivo; mas o imperativo – escrita nesta forma, o verso em causa ficaria: Pensem nas coisas do alto, não nas que são da terra! Portanto, a frase que Paulo escreveu reflete: um fato, um desejo ou uma ordem? Certamente uma ordem.

            Ninguém pode nos dar uma ordem para fazer algo se já o estivermos fazendo – não seria sensato ordenar a alguém que esteja andando de bicicleta a andar de bicicleta! Esta é a razão pela qual o que agora escrevo não servirá ao leitor, visto que você não pensa nas coisas da terra, mas apenas naquelas que são do alto, não é mesmo!?

            Quando nossa atenção está desviada de algo para o qual ela deveria estar voltada, como é o caso das coisas do alto, dizemos que estamos distraídos. E para falar da distração, a colocarei em paralelo com a tentação. A tentação, como é sabido por todos os cristãos precavidos, consiste numa arma usada pelo inimigo para fazer com que pequemos, para provocar a transgressão da lei de Deus. Via de regra somos tentados a partir de fraquezas que são inerentes a nós, inclinações para o mal que existem em nosso interior, comumente conhecidas por concupiscências da carne e dos olhos. Quando um cristão prudente percebe que está diante de uma tentação, prontamente a percebe, porque ele sabe que o objetivo dela é fazer com que ele caia, desagradando a Deus. Por isso, racionalmente decide proceder como Jó, que se desviava do mal.

            Por profundamente conhecer as Sagradas Escrituras, o inimigo sabe que todo aquele que permanece em nosso Senhor Jesus não vive pecando (1 João 3:6). O que fará, então, quando se deparar com um cristão genuíno, uma testemunha fiel de Cristo aqui na terra? O deixará para procurar outro que não esteja completamente coberto pelas asas do Onipotente? Não, não é isso o que a Bíblia diz: o diabo é como um leão que ruge ao nosso derredor, procurando a quem possa tragar (1 Pedro 5:8).

            Se a arma da tentação não tem nenhum efeito sobre o cristão sincero, visto que descansa sob a sombra do onipotente, a tática utilizada pelo diabo, semelhantemente a uma cobra coral que, embora não seja em aparência tão agressiva quanto uma cascavel, tem seu veneno várias vezes mais potente do que esta, será bem mais sutil. Especificamente, se não pode atacá-lo enquanto estiver descansando à sombra do Todo Poderoso, a estratégia do maligno consistirá em retirar o cristão dali. E ele o fará desviando o foco do cristão das coisas do alto, colocando-o sobre o que está na terra; em outras palavras, a ama será a distração.

            O verdadeiro cristão, aquele que permanece em Cristo, embora evidentemente falho, dificilmente viverá pecando; se eventualmente pecar, sabe que tem um Advogado para com o Pai (1 João 2:1). Por se desviar da maior parte das tentações, ou seja, das coisas ruins, maquinadas pelo diabo, este se aproximará dele mediante coisas boas, lícitas, não proibidas pela Bíblia. São vários os exemplos que poderia enumerar aqui, que, embora não conduzam à transgressão da lei, desviam nossa atenção das coisas do alto para as coisas da terra. Em Lucas 10, a partir do versículo 38, registra-se o que ocorreu quando Jesus, passando por uma aldeia, adentrou à casa das irmãs Marta e Maria. Embora Marta, com a melhor das intenções, estivesse preocupada com a preparação do alimento para Jesus e seus discípulos, não estava fazendo o certo, como sua irmã, Maria, assentada aos pés de Jesus, ouvindo sua palavra. Sendo interpelado por Marta, Jesus lhe disse: Marta, Marta, está preocupada e afadigada com tantas coisas, mas uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte, completou ele.

            Poderia aqui citar outras coisas que, embora sejam de certo modo boas, totalmente lícitas segundo os parâmetros da Bíblia, desviam nossa atenção das coisas do alto. Por nos distrair, consomem nosso tempo, gastam nossa energia, tiram nossa disposição de fazer coisas que realmente agradariam a Deus: como a leitura e meditação na Palavra, a oração, a comunhão com os irmãos, a prática das boas obras.

            O que dizer da televisão? Muitos dirão: ela deve ser evitada porque há apologia ao adultério, à prostituição, à irreverência. Mas tudo isso é tentação, e o cristão prudente, por saber disso, muda de canal quando isso lhe aparece. Quero me referir às coisas boas da televisão: jogos de futebol, filmes, séries, aos esportes em geral. Poderiam estas coisas desviar nossa atenção do alto para a terra? O mesmo poderia ser dito acerca da internet: não aos sites ruins, mas aqueles que, embora tenham boa aparência, tomam grande parte do nosso tempo. Não quero aqui decretar que tais programações devam ser evitadas pelos cristãos, mas apenas que tenham cautela – o que difere o veneno do remédio é a dose. Em certa passagem, em sua primeira carta aos coríntios, Paulo também quis dizer que nem tudo que é permitido, nos convém (1 Coríntios 6:12).

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