TULIPA

 

            Tulip, forma inglesa da palavra tulipa, consiste num acrônimo que resume os pontos essenciais da doutrina calvinista para a compreensão da Soteriologia, o estudo sobre a temática da salvação tratada na Bíblia. Não pretendemos discutir diligentemente esses aspectos considerados centrais na fé pelos adeptos das ideias de João Calvino, mas apenas tecer de maneira abreviada algumas ponderações acerca deles.

            Total Depravity – Os homens se tornaram totalmente depravados em consequência do primeiro pecado, o qual levou à queda de Adão. Os defensores dessa ideia afirmam que somos escravos do pecado, absolutamente contaminados por ele, de modo que até mesmo as nossas escolhas demonstram a influência nefasta desse mal. Por esta razão somos incapazes de, por nossa própria conta, escolher servir a Deus.

            Entendo que haja um completo respaldo nas Sagradas Escrituras para a defesa da ideia de depravação total. Há quem diga que essa depravação, essa corrupção, seja de algum modo parcial, mas o que dizer dos textos abaixo?

  •  Não há um justo, nem um sequer. Não há ninguém que entenda, não há ninguém que busque a Deus. Todos se extraviaram e juntamente se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem, não há nem um só. (Romanos 3:10-12)
  • A imaginação do homem é má desde a sua meninice. (Gênesis 8:21)
  • Não queremos que este [Jesus] reine sobre nós. (Lucas 19:14)

Unconditional Election – A eleição incondicional é um conceito que se assenta na escolha soberana de Deus daqueles que hão de servi-lo. Não se baseia no mérito, posto que para Deus somos todos impuros, nem de qualquer qualidade ou propensão natural. A eleição daqueles que hão de ser salvos, conforme defendem os calvinistas, foi feita por Deus desde a fundação dos tempos.

Tenho ressalvas a respeito dessa ideia. Sou muito mais inclinado a achar que haja um chamamento incondicional, o qual também se basearia na soberania de Deus e não em qualquer mérito ou qualidade da qual as pessoas poderiam se gloriar. Creio que Deus chama todos à conversão, independente se são sábios ou néscios, ricos ou pobres, mansos ou temperamentais, egoístas ou solidários. Vejamos o texto abaixo:

  • Pois muitos são chamados, mas poucos são os escolhidos. (Mateus 22:14)

Quando analisamos o contexto em que o Senhor Jesus emitiu essa declaração, percebemos que o rei, simbolizando Deus, mandou chamar a todos para as bodas de seu filho, figura de Jesus. Depreende-se que a maioria rejeitou o banquete, especialmente os que primeiro receberam o convite. Uma pequena parte, contudo, se vestiu apropriadamente e se dirigiu para o encontro com o filho do soberano.

Limited Atonement – A expiação limitada é a doutrina de que a obra realizada por Cristo na cruz se destinou para consolidar a salvação apenas daqueles a quem Deus soberanamente escolheu. Desse modo, os calvinistas advogam que Jesus não morreu por todos, mas apenas pelos que tiveram o privilégio de terem sido pinçados pelo Todo-Poderoso do caminho que conduz à eterna danação.

Admito que a conceituação é um pouco confusa. Se Deus de antemão escolheu quem Ele iria salvar, qual a necessidade da obra de Cristo? Observemos o que diz a Escritura:

  •  Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. (João 3:16)

O verso coloca com diáfana clareza que Deus amou o mundo, isto é, todas as pessoas que residem neste planeta, e não apenas aqueles que Ele de antemão predestinou à salvação, como supõem os seguidores de Calvino. Todos aqueles que são chamados para crer no Cristo, e creem, têm a vida eterna – não há mérito aqui em crer, pois não podemos concordar que a salvação seja meritória; o ponto fundamental consiste em simplesmente aceitar o chamamento.

Irresistible Grace – Essa doutrina declara a irresistibilidade da graça de Deus. Quando o Espírito Santo, por decisão soberana do Criador, age em alguém de modo a promover a conversão, o novo nascimento, essa pessoa não pode resistir a sua ação. É impossível recusar o chamado para pertencer ao corpo de Cristo.

Creio que podemos, sim, recusar a graça de Deus. Podemos deliberadamente rejeitar o presente de sermos guiados pelo Espírito Santo. Embora sejamos por completo impotentes quanto à promoção do novo nascimento em nós mesmos (do mesmo modo que um bebê não nasce com o auxílio de seu esforço), conforme diálogo entre Jesus e Nicodemos (João 3:1-8), compreendo como perfeitamente possível o retorno à vida dissoluta pregressa.

Sabemos que o Espírito Santo nos convence do pecado, mostrando-nos o que desagrada a Deus; da justiça, apontando-nos para as boas obras para as quais fomos preparados; e do juízo, incutindo em nossa mente as consequências destinadas a todos aqueles que insistem em rechaçar a vocação deliberada pelo Criador. Podemos, no entanto, ser indiferentes a seus alertas, como nos indica o verso a seguir:

  •  Portanto, como diz o Espírito Santo: Se ouvirdes hoje sua voz, não endureçais os vossos corações, como na provocação, no dia da tentação no deserto. (Hebreus 3:7-8)

Perserverance of the Saints – A perseverança dos santos não corresponde a outra coisa senão a assunção de que aqueles que foram eleitos por Deus para a salvação continuarão no caminho e dele não se apartarão indefinidamente; ou seja, não é possível perder a salvação.

Nós, por outro lado, acreditamos que um santo pode se desviar do reto caminho para sempre se teimosamente se recusar a obedecer ao Espírito Santo. Analisemos alguns excertos bíblicos a respeito:

  • Porque é impossível que os que já uma vez foram iluminados, e provaram o dom celestial, e se fizeram participantes do Espírito Santo, E provaram a boa palavra de Deus, e as virtudes do século futuro, E recaíram, sejam outra vez renovados para arrependimento; pois assim, quanto a eles, de novo crucificam o Filho de Deus, e o expõem ao vitupério. Porque a terra que embebe a chuva, que muitas vezes cai sobre ela, e produz erva proveitosa para aqueles por quem é lavrada, recebe a bênção de Deus; Mas a que produz espinhos e abrolhos, é reprovada, e perto está da maldição; o seu fim é ser queimada. (Hebreus 6:4-8)
  • Porque, se pecarmos voluntariamente, depois de termos recebido o conhecimento da verdade, já não resta mais sacrifício pelos pecados, mas uma certa expectação horrível de juízo, e ardor de fogo, que há de devorar os adversários. (Hebreus 10:26-27)
  •  Não sabeis vós que a quem vos apresentardes por servos para lhe obedecer, sois servos daquele a quem obedeceis, ou do pecado para a morte, ou da obediência para a justiça? (Romanos 6:16)

As citações da carta aos Hebreus acima apontam para a apostasia, a situação em que não há mais retorno aos caminhos do Senhor. Parece-nos plausível que a insistência no pecado – seja praticando o mal, seja deixando de fazer o bem - conduz-nos perigosamente a um limite em que ainda ouvimos a voz do Espírito Santo quando Ele nos fala ao coração; para além dele, a consciência está suficientemente cauterizada para não mais reconhecermo-nos como praticantes do erro. Se não reconheço que estou errado, não me arrependo do que pratico; se não há arrependimento, não há perdão; a ausência de perdão impossibilita-nos a salvação.

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