Salmo de Asafe

 

Texto base: Salmo 73


            A presente é a meditação sobre um salmo a que denomino salmo da revolta ou mesmo salmo da indignação. Atribuído a Asafe, traz em si muitas das questões que povoam a cabeça de crentes devotos, agnósticos e mesmo ateus, tratando da prosperidade dos ímpios mesmo diante do escárnio dirigido ao Criador, em contraste com a miséria que assola grande parte dos fiéis.

            Para sua análise, selecionaremos alguns dos versos mais distintivos do texto, abordando desde declaração pessoal inconteste da bondade de Deus por parte do salmista, falas de revolta contra as aparentes injustiças que observava, consequências em comungar das práticas dos escarnecedores, até chegar à percepção de justiça real a ser operada por Deus na vida de cada um.

1. Verdadeiramente, bom é Deus para com Israel, para com os limpos de coração.

O salmista inicia com uma declaração afirmando a bondade de Deus para aqueles considerados limpos de coração. Ao enunciar verdadeiramente, tenciona dissipar qualquer questão acerca de sua concepção pessoal dos desígnios divinos que a exposição subsequente pudesse suscitar.

2. Quanto a mim, meus pés quase se desviaram; pouco faltou para que escorregassem os meus passos.

Com efeito, Deus é bom para com os limpos de coração, mas o salmista não é limpo de coração. Ele diz que por pouco não se desviou do reto caminho do Senhor, deixando de fazer o que Lhe agrada para ter parte na prática do mal. A tentação fora intensa, mesmo sabendo da bondade de Deus. Pergunta-se: O que o seduziu? Que foi que quase o tirou de debaixo das asas do Altíssimo?

3. Pois eu tinha inveja dos soberbos, ao ver a prosperidade dos ímpios.

4. Porque não há apertos na sua morte, mas firme está a sua força.

5. Não se acham em trabalhos como outra gente, nem são afligidos como outros homens.

Vemos respondidas as questões. A inveja sentida ao ver a prosperidade dos ímpios o fez cogitar ser como eles, partilhar de suas práticas, viver a sua maneira. O salmista argumenta que os perpetradores do mal não apenas veem seus planos se concretizarem como nem mesmo no momento de morte são acometidos por sobressaltos e angústias: quando partem, se vão sem grande sofrimento.

Acrescente-se a isso o não se acharem em trabalhos como outra gente: não sofrem em demasia para ganhar o pão, desfrutam de bons salários, não necessitam passar muitas horas na atividade laboral, nem têm de suportar maiores aflições que os crentes limpos de coração.

9. Erguem a sua boca contra os céus, e a sua língua percorre a terra.

11. E dizem: Como o sabe Deus? Ou: Há conhecimento no Altíssimo?

12. Eis que estes são ímpios; e, todavia, estão sempre em segurança, e se lhes aumentam as riquezas.

Os ímpios, além de prosperarem financeiramente e de não se conterem na opressão dos menos afortunados pela vida, zombam de Deus quando alguém O arroga como redentor e juiz. Bradam: Quem é Deus? Pode Ele saber o que estou fazendo? Mostre-me onde está! Apesar de tudo, estão sempre em segurança, como que envoltos por uma grande e invisível redoma a blindá-los contra toda e qualquer ameaça externa. Suas riquezas, diga-se, não param de crescer, ainda que conseguidas a custo de opressão, rapinagem e corrupção.

13. Na verdade que em vão tenho purificado o meu coração e lavado as minhas mãos na inocência.

14. Pois todo dia tenho sido afligido e castigado cada manhã.

Diante de tamanha injustiça e aparente descaso, o salmista,  num suspiro corajoso e sincero, lamenta todo o esforço por ele empregado para não desagradar a Deus; chora por tantas vezes ter deixado de fazer o que lhe apetecia a carne, abnegado os desejos que faziam dele um homem, aplacado em muitas ocasiões o ímpeto de tornar o mal por mal, e por ter renunciado em não poucas situações aos seus próprios interesses em favor do bem ao próximo. Parece que tudo fora em vão, visto que dia após dia é açoitado pelos maus; reconhecimento passa ao largo.

Infelizmente manifestações de coragem como essa são tão escassas em nossos tempos que se tem a sensação de que inexistem. Será que isso se deve ao contentamento dos fiéis com a agir de Deus? Duvido. Não raro indivíduos, instados a se converter a Cristo, respondem que não têm por que fazê-lo, alegando que há tantos doentes e incapacitados, embora assíduos frequentadores de cultos e devotos a um estilo de vida piedoso, que nunca recebem a cura para o mal que os aflige; a despeito de não serem capazes de tecer uma resposta bem convincente, talvez por comungarem das mesmas questões, quase nunca esses crentes expõem essas dúvidas a Deus ou perante os de maior experiência espiritual. Parecem temer a ousadia de inquirir este tipo de assunto, receosos de serem alvos de uma repreensão de Deus ou mesmo de alguém de dentro da igreja, vez que questionamentos assim demonstrariam uma suposta falta de fé.

15. Se eu dissesse: Também falarei assim; eis que ofenderia a geração de teus filhos.

Zombam de Deus, fazem o que querem, não se impõem limites, oprimem os indefesos, escarnecem dos piedosos e prosperam; ai de mim! ai de mim, pensa o salmista, se ao menos falasse da forma como dizem… o mundo inteiro cairia sobre mim, ofendendo um ofenderia a todos.

16. Quando pensava em compreender isto, fiquei sobremodo perturbado;

17. até que entrei no santuário de Deus; então, entendi eu o fim deles.

18. Certamente, tu os puseste em lugares escorregadios; tu os lanças em destruição.

19. Como caem na desolação, quase num momento! Ficam totalmente consumidos de terrores.

Sem conseguir discernir o agir de Deus, indiscutivelmente bom para com todos os limpos de coração, mas que, de certa forma, no mínimo tapava os ouvidos e vendava os olhos para os acintes dos ímpios ao mesmo tempo em que punia com mãos de ferro qualquer desvio dos seus, o salmista passa a compreender tudo quando adentra o santuário.

Na presença de Deus tudo se esclarece; o que antes era turvo, passa a ser nítido, e o opaco, transparente. Deus os coloca em lugares escorregadios! Enquanto estão de pé, parecem firmes, resolutos, desfrutam das benesses que se lhes oferecem; mas andam sob um piso que não lhes assegura qualquer segurança, pois qualquer benção, sem Deus, pode se tornar em maldição. Quando menos esperam, seja em vida ou depois dela, caem em desolação; abandonados e sem amparo, consomem-se de terrores.

25. A quem tenho eu no céu senão a ti? E na terra não há quem eu deseje além de ti.

26. A minha carne e meu coração desfalecem; mas Deus é a fortaleza do meu coração e a minha porção para sempre.

Os ímpios gozam de bens materiais: moto, carro do ano, casa luxuosa, recursos financeiros. Influência decorrente de poder temporal. Viverão para sempre? O que têm no céu? Que riquezas acumularam no Alto?

A minha carne envelhece e fica enferma, não viverei aqui para sempre; contudo Deus é minha fortaleza. Sei que esse tesouro carregarei comigo para sempre. Não há nada que eu possa querer na terra além de ti, meu Senhor; bens materiais, influência social, fruição dos sentidos, tudo isso passa.

28. Mas, para mim, bom é aproximar-me de Deus; pus a minha confiança no Senhor Deus, para anunciar todas as tuas obras.

Eu sei, Senhor, que não terei tudo o que poderia querer aqui; e que nem todos os teus poderão desfrutar disso. Mas tudo passa, assim cabedais como a vida, menos a tua fidelidade. Sei que, embora carente de recursos deste mundo, tenho paz de espírito porque nada foge ao teu controle. Graças te dou por poder me sentir seu filho, ainda que, repito, nem todos os meus desejos sejam atendidos enquanto estiver nesse mundo.

Por sua fidelidade e bondade, as quais duram para sempre, depositarei minha confiança em ti e anunciarei a todos as obras que tem operado em meu favor.

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