Mais Jesus, Menos Satanás
Em muitas igrejas evangélicas, sobretudo pentecostais e neopentecostais, percebemos a existência pujante de uma síndrome de perseguição. Em outros termos, mas sem correr qualquer risco de cometer um reprovável exagero, vemos um triste hábito entre os irmãos de mencionar mais Satanás que o próprio Jesus no dia a dia e durante os cultos religiosos.
De um lado, a Bíblia é clara e contundente ao afirmar que não devemos lutar contra pessoas, mas contra as potestades espirituais encabeçadas por Satanás (Efésios 6:12). Por meio de um agir em seus pormenores encoberto à nossa compreensão, o verdadeiro inimigo é referido nas Escrituras como o pai da mentira por ter se valido de uma inverdade para induzir Eva a pecar contra Deus no Éden. Além disso:
- Afligiu a Jó, despojando-lhe dos bens, filhos e saúde (Jó 1) – com a permissão de Deus;
- Tentou ao Senhor Jesus quando se retirara para o deserto antes de iniciar seu ministério (Mateus 4:1-11) – com a anuência do Espírito Santo;
- Solicitou a Deus que peneirasse os discípulos de Jesus (Lucas 22:31-32);
- Esbofeteou a Paulo impingindo-lhe um espinho na carne (2 Coríntios 12:7) – com a permissão de Deus.
De muitas maneiras o Diabo manifesta sua influência sobre as pessoas no relato bíblico: Algumas vezes, como essas, ele é nominalmente citado; em outras, mesmo não sendo explicitamente referido, percebemos de maneira insofismável seu agir, como no decreto do rei Herodes para matar todas as crianças com idades inferiores a 2 anos visando alcançar o Messias que então nascera.
Por outro lado, entenda que a ação do inimigo, quando perpetrada, sempre ocorre com o aval de Deus. Nosso Senhor, além de criador de todas as coisas, e único justo e bom, é soberano sobre tudo. Isso implica que nada pode suceder sem a sua permissão, nem mesmo um passarinho, por menor que seja seu valor na criação, pode cair em terra sem a vontade do Pai (Mateus 10:29).
Acaso, no entanto, essa completa soberania de Deus anula o fato de que Satanás é o nosso inimigo? Não. Então, como entender que ele é relevante, e não apenas um inimigo nominal? O ponto central da resposta a essa questão é compreender o seu caráter: Satanás, acima de tudo, é o acusador, como um promotor que de todas as formas e com todas forças se empenha para provar que o réu é culpado. A Bíblia não desvela com diáfana clareza o que se passa no plano espiritual no tocante aos papéis e finalidades de Satanás e suas hostes; há, deveras, uma grande lacuna a esse respeito. Contudo, aquilo de que precisamos saber para a salvação nos está revelado em nosso livro guia, e ele o desnuda tanto em Jó quanto em Apocalipse como o acusador (Apocalipse 12:9-10). Sabendo que estamos rodeados por uma grande nuvem de testemunhas (Hebreus 12:1), ele é quem nos acusa diante de todas elas e de Deus. Possivelmente procura em nós máculas que serão usadas para atingir também o Criador.
Estamos, pois, aqui, neste mundo que jaz sob o poder do Maligno; por ele cercados como um leão que ruge buscando a quem possa devorar; sujeitos a toda vil tentação; levados como ovelhas para o matadouro. Todas essas provações, no entanto, são permitidas por Deus para o nosso próprio aperfeiçoamento, a fim de que deixemos de fiar em nossas forças e confiemos inteiramente em Nele. Conforme 1 Pedro 1:17, a prova vem para nos fortalecer a fé, assim como o ouro é purificado ao passar pelo fogo. Mediante sua soberania e infinito amor, Deus, por via de um agir invisível, faz todas essas coisas concorrerem para o bem daqueles que o amam.
Enfim, deixemos de lado qualquer inspiração maniqueísta de compreender o mundo como um embate entre o bem e o mal. Nosso Deus é – volto a dizer – soberano, e o próprio Diabo, como disse Martinho Lutero, é o Diabo de Deus. Ademais, de acordo com Paulo, em sua carta aos efésios, a maneira pela qual lutamos contra o inimigo, como bons soldados de Cristo, não é outra senão apresentando uma vida justa e fundada na Verdade, pregando o Evangelho, utilizando a fé em Cristo como nosso escudo e não colocando outra coisa em nossa cabeça quem não seja a salvação.
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